Davi Souza*
De cachorros que brilham no escuro à cura de doenças genéticas. A minissérie da Netflix, Seleção Artificial (Unnatural Selection), coloca em pauta uma das maiores revoluções biotecnológicas do século XXI: a edição genética com a CRISPR.

Na era da biotecnologia, na qualeditar o DNA se torna cada vez mais acessível, o primeiro episódio da minissérie Seleção Artificial (Unnatural Selection), disponível na Netflix, mergulha em um mundo onde a linha entre ciência e ficção parece cada vez mais tênue. Dirigida por Joe Egender e Leeor Kaufman, a série documental lançada em 2019 provoca o espectador ao apresentar as promessas e dilemas da engenharia genética, com foco no potencial disruptivo da ferramenta CRISPR.
O que é CRISPR-Cas?
CRISPR-Cas é um sistema de edição genética que permite modificações precisas no DNA de diversos organismos. CRISPR é uma sigla que corresponde Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas, ou Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, em inglês. Já o termo “Cas” está relacionado CRISPR-associated proteins, ou proteínas associadas a CRISPR. CRISPR-Cas consiste em uma ferramenta de engenharia genética que funciona como uma “tesoura molecular”, capaz de cortar o DNA em locais específicos para remover, adicionar ou alterar genes de forma precisa e eficiente.
Publicada em 2012 na revista Science, a descoberta e desenvolvimento da técnica CRISPR-Cas9 foi feita pelas cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer A. Doudna. A técnica não apenas concedeu a ambas pesquisadoras o Prêmio Nobel de Química em 2020, mas também se mostrou bastante revolucionária devido a sua capacidade de aplicação em diversas áreas, incluindo biologia e medicina.
Qual o impacto desta tecnologia na agricultura?
Embora o primeiro episódio da série aborde o contexto de biohackers, cães fluorescentes e a promessa de curar doenças humanas, ele também abre espaço para uma reflexão mais ampla sobre como essa tecnologia pode transformar a agricultura. O episódio nos instiga a imaginar cenários futuros, e no campo, esse futuro já chegou. Em uma publicação de 2015, da Embrapa, são apresentadas projeções que indicam o uso de CRISPR/Cas para transferência de genes, tolerância aos estresses bióticos e abióticos, modulação da transcrição, melhoramento do sistema fotossintético de plantas, engenharia de receptores, produção de plantas haploides e a criação de novas espécies para cultivo. A edição CRISPR permite, por exemplo, o desenvolvimento de variedades mais produtivas e mais resistentes. É nesse ponto que a ponte com a agricultura se torna inevitável.
Segundo o documento “Tecnologia CRISPR na edição genômica de plantas”, publicado em 2020 por pesquisadores do GCCRC, essa técnica já está sendo usada para enfrentar os grandes desafios da agricultura moderna: o aumento da produtividade, a resistência a pragas e doenças, a adaptação a estresses climáticos extremos e até a melhoria do valor nutricional dos alimentos. Em uma conversa com Ricardo Augusto Dante, Pesquisador Principal no GCCRC e especialista em biologia molecular e edição genômica, a tecnologia CRISPR tem sido usada no centro para criar lesões em genes, causando a perda de sua função. Segundo Dante, formas inativas de genes são criadas para observar as consequências e aprofundar o conhecimento do papel dos genes, porém há usos mais sofisticados, e tecnicamente difíceis, de CRISPR em plantas, os quais ainda não são utilizados pelos pesquisadores do GCCRC.
Por fim, o documentário também aborda a democratização da ciência. E é exatamente isso que começa a acontecer na agricultura. Pequenos produtores, startups e centros de pesquisa agora têm nas mãos uma ferramenta capaz de acelerar o melhoramento genético de plantas e superar barreiras técnicas da edição genética. Em sua essência, Seleção Artificial questiona se devemos interferir no código da vida e, consequentemente, no futuro do nosso planeta. A resposta pode estar na produção de alimento mais resilientes, nutritivos e sustentáveis.
*Davi Souza é estudante de engenharia elétrica na UNICAMP e bolsista de jornalismo científico no GCCRC, como parte do Edital Comunicar Ciência/FAPESP. Davi faz parte do time de comunicação científica do GCCRC e se dedica à criação de conteúdo multimídia para plataformas online.

