O novo protocolo chega a ser três vezes mais eficiente em milhos tropicais
Os pesquisadores do Centro de Genômica Aplicada à Mudanças Climáticas (GCCRC), uma parceria entre Unicamp e Embrapa, fizeram um avanço importante para acelerar a edição genômica de plantas de milho para a região tropical. As linhagens tropicais de milho, de maneira geral, não respondem de forma tão eficiente ao processo de transformação genética, necessária para os experimentos de edição genômica. O estudo publicado na revista Frontiers in Genome Editing traz a aplicação de um protocolo de transformação genética baseado no uso de “reguladores morfogênicos” para as linhagens tropicais de milho. O resultado chegou a ser três vezes mais eficiente em tais linhagens quando comparado com o protocolo-modelo, que é baseado em linhagem temperada. O estudo foi realizado com plantas de uso proprietário e público, o que facilitará o acesso a novas pesquisas. A edição genômica na agricultura é considerada uma ferramenta poderosa perante às mudanças climáticas pois possibilita, por exemplo, o desenvolvimento mais rápido de variedades agrícolas mais tolerantes à seca, à doenças ou mais nutritivas.
Atualmente, os quatro maiores produtores de milho do mundo são os Estados Unidos, China, Brasil e Argentina. Em 2023, o Brasil tornou-se o maior exportador, suplantando os Estados Unidos. A região tropical é responsável por 30% da produção mundial do cereal. Entretanto, a produtividade do milho em regiões tropicais está significativamente aquém daquela nas áreas temperadas. Segundo os autores do artigo, essa disparidade decorre de desafios como a baixa fertilidade do solo, infestações de pragas e cultivo dependente da chuva, agravados por uma história de melhoramento genético recente em comparação com as variedades de milho temperadas.
As linhagens de milho usadas como modelo de estudo são em sua maioria de regiões temperadas, cujo desempenho nos testes de campo no Brasil não é satisfatório. “Estas plantas não estão adaptadas ao clima tropical, e assim não tem uma performance tão boa nessas regiões”, explica José Hernandes, autor do estudo que desenvolveu a pesquisa durante seu estágio de pós-doutoramento no GCCRC.
Outra barreira nos processos de edição de milho é a baixa eficiência dos protocolos tradicionais de transformação genética. A transformação é um método pelo qual um DNA externo – que, neste caso, contém genes que promovem a edição genômica- é introduzido nas células, permitindo a expressão ou alteração de genes específicos.
Na pesquisa, os autores exploraram uma nova estratégia de biologia molecular que está sendo bastante promissora na transformação de milho: o uso de genes que estimulam o processo de regeneração das plantas transformadas, os chamados genes reguladores morfogênicos. “O protocolo que usamos, desenvolvido pelo nosso colaborador Laurens Pauwels, na Bélgica, foi preparado para uma linhagem temperada e funcionou muito bem para mais da metade das tropicais que testamos”, relata Ricardo Dante, autor de estudo e pesquisador da Embrapa Agricultura Digital e pesquisador principal do GCCRC.
Três das cinco linhagens tropicais foram transformadas com sucesso usando a estratégia de expressão de genes morfogênicos, chegando a taxas de eficiência três vezes maiores do que a média dos protocolos que não usam esta estratégia, alcançando 6,63%.
“Agora temos uma linhagem de estudo mais adaptada às condições de campo local” aponta Hernandes. Isto significa linhagens com alta susceptibilidade à transformação, capacidade de gerar plântulas saudáveis e agronomicamente adequadas para estudos em condições reais de produção no país.
Instituições públicas brasileiras na ponta
Outra preocupação do grupo de pesquisadores foi realizar os testes utilizando simultaneamente linhagens comerciais brasileiras e linhagens não-proprietárias. Estas últimas vieram do Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo (CIMMYT), uma organização sediada no México que conserva germoplasmas de milho. O GCCRC tornou-se o repositório nacional de algumas linhagens da coleção de germoplasma do CIMMYT no Brasil. Qualquer instituição que queira usar este material, pode contatar o GCCRC. “É importante que tenhamos instituições públicas liderando este processo, de modo que todo mundo possa ter acesso ao conhecimento gerado”, nota Juliana Yassitepe, autora do estudo, pesquisadora da Embrapa Agricultura Digital e pesquisadora principal do GCCRC.
Segundo os autores, os resultados do estudo expandem a disponibilidade atual de plantas que podem ser geneticamente editadas com sucesso, o que vai acelerar a pesquisa biotecnológica no país. “Agora que conseguimos editar e transformar milho tropical vamos testar genes desenvolvidos pelo Centro mais rapidamente e em condições de campo”, explica Yassitepe. O principal foco do GCCRC é o desenvolvimento de linhagens de milho tolerantes à seca.
A pesquisa, que contou com o financiamento da Fapesp, é resultado da parceria do GCCRC com VIB (Vlaams Instituut voor Biotechnologie) da Bélgica, e com a pesquisadora visitante Sofya Gerasimova, do Instituto de Citologia e Genética da Academia Russa de Ciências e da Universidade Estadual de Novosibirsk (Rússia), também apoiada pela Fapesp.
Sobre o GCCRC
O Centro de Genômica Aplicada à Mudanças Climáticas (GCCRC) está localizado no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp. Trata-se de uma iniciativa entre Embrapa e Unicamp – no âmbito do programa Centros de Pesquisa em Engenharia (CPEs) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) – para o desenvolvimento de plantas adaptadas aos estresses das mudanças climáticas globais. Sua plataforma de pesquisa envolve ferramentas de bioinformática, edição gênica, transformação, microbioma, fenotipagem, propriedade intelectual e assuntos regulatórios.
Para saber mais:
Hernandes-Lopes J, Pinto MS, Vieira LR, Monteiro PB, Gerasimova SV, Nonato JVA, Bruno MHF, Vikhorev A, Rausch-Fernandes F, Gerhardt IR, Pauwels L, Arruda P, Dante RA and Yassitepe JEdCT (2023) Enabling genome editing in tropical maize lines through an improved, morphogenic regulator-assisted transformation protocol. Front. Genome Ed. 5:1241035. doi: 10.3389/fgeed.2023.1241035